quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Parque do Flamengo: o furo na barragem ?



Obter a primeira exceção à regra é essencial para iniciar a conquista do todo. É o furo na barragem: basta um só furo, para que ela seja paulatinamente destruída.

Nesses quase 50 anos de existência do Parque do Flamengo, a sociedade carioca conseguiu construir, e manter firme, o projeto original do magnífico Parque público que ele é. Resistiu a inúmeros assédios de poderosos, cheios de ideias e ambições, que visavam assenhorear-se desse espaço privilegiado da Cidade.

Mas, agora, o jogo parece ser o da grande conquista: talvez não financeira, mas de verdadeira demonstração de poder – eu posso, e só eu consigo! Eu, sempre eu... Este espaço esperava por mim!

Qual teria sido o motivo – a motivação – que fundamentou a mudança de opinião do Conselho Consultivo do IPHAN, para que tenhamos, agora, a notícia de que na área da Marina da Glória, na enseada mais significativa do Parque, fosse autorizado um projeto particular de construção de um enorme Centro de Eventos?

Quem conhece, ou viu esse projeto?

A lei federal 9784 de 1999, que regula a forma de decisões da Administração Pública, diz o seguinte:

Art. 48 – A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.

(...)

Art. 50 – Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

(...)

§1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas que, neste caso, serão parte integrante do ato.”

Por isso cabe perguntar: podemos acreditar em um Estado que se diz democrático, quando nos deparamos com uma decisão da Administração Pública, altamente relevante (apesar de desconhecida do público que afeta), e que altera todo rumo das anteriores, e que não tem nem processo administrativo, nem fundamento técnico, nem análise que explicite a deferência de um posicionamento diverso dos anteriores, e nem publicidade?

Aristóteles dizia que a democracia seria aquele estágio de organização do Estado no qual a lei serve, e se aplica a todos: ninguém estaria fora de sua incidência e, por sua aplicação, sem exceções, é que se garantiria o princípio da igualdade na sociedade. Diferentemente, nos Estados classificados por aquele filósofo como “aristocráticos”, haveria duas categorias de pessoas: os nobres, e o povo. Nesses estados aristocráticos, a lei serviria para ser aplicada apenas ao povo, mas não à nobreza.

E nada mais poderoso para o ego de alguns do que a necessidade de sentir-se um nobre, uma pessoa acima da lei. Lamentável!

Mas, o mais lamentável é o chamado Estado de Direito prestar-se a isto!

Fato é que, apesar da ameaça da quebra da regra no nosso Parque do Flamengo, este processo ainda não está finalizado. O segredo, que protege essa anunciada decisão administrativa, revela a sua própria fragilidade jurídica e, por consequência, sua ilegitimidade.

Oficiamos pela Câmara de Vereadores à Ministra da Cultura para que esta, no seu papel legal de supervisão dos atos administrativos, no âmbito de seu Ministério, conhecesse o assunto, e interviesse para que a necessária transparência fosse aplicada a esse procedimento de interesse público. A resposta da ministra significa a irônica recondução do assunto à estaca zero, pois nosso ofício foi por ela encaminhado ao IPHAN! (Confira)

Resta também saber o que acontecerá na tramitação no âmbito do Executivo Municipal. Duvidamos que este possa conceder, legalmente, qualquer licença de construção no Parque público do Flamengo. Isto porque se impõe a observância da Lei Orgânica da Cidade, que determina que os Parques públicos, áreas verdes, unidades de conservação – leia-se, Parque do Flamengo - não podem ser cedidos ou concedidos a ninguém, e nem alterados ou violados; nem um pedacinho deles - nem um primeiro furo – que, na verdade, compromete toda a barragem.

Esta é a nossa garantia. A garantia do povo que acredita, e cumpre a lei!

Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro:

Art.235: As áreas verdes, praças, parques, jardins e unidades de conservação são patrimônio público inalienável, sendo proibida sua concessão ou cessão, bem como qualquer atividade ou empreendimento público ou privado que danifique ou altere suas características originais”

Que se cumpra a lei, por todos!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

PRESERVAÇÃO EM BAIXA: o Parque do Flamengo é a bola da vez


É evidente que nenhum governante falará, ou demonstrará abertamente, que sua intenção é acabar com os Parques e as áreas verdes da Cidade. E, mesmo que tenha boas intenções, pensará, como sempre: só esta aqui, talvez, não faça tão mal assim. Faz sim ! É assim que continuamos dizimando a Mata Atlântica, e a Amazônia.

No Rio, o caso mais emblemático talvez seja o do PARQUE DO FLAMENGO, que está sendo cedido ao mega empresário da área de extrativismo mineral no Brasil, Sr. E.Batista.



Por enquanto, não todo o Parque, óbvio, ou para não parecer óbvio no momento. Agora, só uns 10 mil metros quadrados da sua área mais nobre, a área denominada Marina da Glória.

Tudo muito contrário à lei, mas com muitos interesses envolvidos.

O grande empecilho para a construção de um centro de eventos do empresário no local era a posição do Conselho Consultivo do IPHAN - o Parque é tombado -, defendida à ferro e fogo em outras circunstâncias, desde 1998, de que nada poderia ser construído neste Parque público que não fosse aquilo que constava em seu projeto original de arquitetura, urbanismo, paisagismo, recreação, educativo, popular enfim.


Caminhões invadem, sem qualquer restrição, as áreas do Parque.


Onde antes havia árvores e grama, agora está apropriado por particulares para um clube náutico de alta renda!

Onde antes havia árvores e grama, agora está apropriado por particulares para um clube náutico de alta renda!

Esta posição foi a defendida em ação judicial que dura 10 anos, com todas as vitórias obtidas em 1ª e 2ª instâncias na Justiça Federal no Rio, e cujo processo judicial foi roubado no caminhão dos correios, em 2010, quando era remetido para Brasília!

Eis que, em 2 de maio deste ano, sem que constasse oficialmente na pauta da reunião do Conselho Consultivo do IPHAN, foi apresentada uma proposta de exploração privada desta área, com a construção de uma enorme edificação e, dizem, foi aprovada!

Esta aprovação foi apenas anunciada no portal do IPHAN, e em cartas assinadas, pelo Presidente do órgão a algumas pessoas específicas. O que se passou na reunião ninguém sabe, já que, ao que consta, a reunião não foi gravada e, ao contrário do que é de praxe, não houve conselheiro-relator do processo. (Leia mais)

Palco de eventos milionários
Aliás, suspeita-se que não há nem processo administrativo de tramitação da proposta, nem parecer dos órgãos técnicos do IPHAN, em que se baseie a análise dos Conselheiros, conforme é previsto na Portaria 420/2010 daquele órgão.

Tudo isto, também, em frontal infração à lei federal 9784 de 1999, que dispõe sobre a forma dos processos administrativos no âmbito da Administração Federal.

Esta lei, a lei 9784, visa garantir a transparência das decisões administrativas, a fim de lhes conferir legalidade e legitimidade, sem o que, os atos administrativos são nulos de pleno direito, e não produzem, por consequência, os efeitos desejados.

A título de exemplificação, esta lei, nos seus arts. 22 e seguintes, exige que os atos administrativos (praticados pela Administração Pública) devem estar consignados em processos administrativos, escritos, devidamente instruídos, assinados, e comunicados a todos os interessados. No caso de interessados indeterminados, ou desconhecidos, a comunicação da decisão deve ser feita através de “intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial” (§4º do art.26).

A Câmara de Vereadores da Cidade, através de sua Comissão Especial de Patrimônio Cultural, oficiou ao Presidente do Conselho do IPHAN pedido de audiência pública e informações, reiteradamente, em maio de 2011, em junho de 2011, em agosto de 2011, e nunca recebeu qualquer resposta ou comunicação sobre o assunto até a presente data.

E isto contraria, também frontalmente, o art.31 da citada lei 9784/1999 que diz:

Art. 31: “Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para parte interessada (...)

§1º - A abertura de consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecer suas alegações escritas.

§2º - O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais.

(...)

Art.33 – Os órgãos e entidades administrativas, poderão estabelecer outros meios de participação de administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas.

Art.34 – Os resultados da consulta e audiência pública e de outros meios de participação da administração deverão ser apresentados com a indicação do procedimento adotado.

Com toda esta previsão legal, vigente no país há mais de 10 anos, por quê, em caso de tamanho interesse público e social, nada foi cumprido?

Por que a solicitação da Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro sequer foi respondida, ou atendida pela Presidência do IPHAN?

Por que não foi atendida a realização da audiência pública prévia na Cidade do Rio de Janeiro, antes de reunião em Brasília, onde a matéria foi resolvida sem ter sido incluída previamente em pauta?

Por que não foi cumprida a portaria 420 do IPHAN, neste caso?

Por que consta que não há processo administrativo, e nem instrução técnica para este caso?

Por que consta que não houve gravação da reunião?

Por que, passados cinco meses da reunião do Conselho, não há nem mesmo ata do que foi decido na mesma, apesar do empresário interessado no bem público (Parque) estar dando continuidade ao projeto?

Por que só o empresário sabe o que foi aprovado, e a Câmara de Vereadores da Cidade não sabe?

Por que não houve publicidade da decisão e, tendo havido, em setembro de 2011, uma outra reunião do Conselho Consultivo, a ata da reunião de maio sequer foi submetida à aprovação dos Conselheiros que, segundo dizem alguns deles, nada foi aprovado definitivamente?

Em tempos em que queremos um firme apoio à legalidade, como única forma democrática de combater a qualquer forma de desvio administrativo e corrupção, e por isso lutamos pela punição de ministros e autoridades que pagam, com recursos públicos, benesses privadas, ainda que aparentemente insignificantes, por que não haveremos também compreender, e exigir clareza, transparência e legalidade nos mega negócios?

Um patrimônio cultural da Cidade, do Estado, do País - mais um - sob ameaça de descaracterização, sob um aparente manto de legalidade!