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Foi noticiado no O Globo desta último de domingo, dia 1.º de dezembro de 2019 que: "Som Alto de Festa Eletrônica realizada na Marina da Glória deixa moradores da Urca sem dormir". Se os moradores da Urca, que estão a cerca de seis quilômetros de distância, estão reclamando, imagine os moradores de bairros próximos, a exemplo da região da Glória. Isso sem falar na fauna do Parque, especialmente os pássaros e outros insetos e pequenos animais.
E isso acontece apesar de os ditos titulares do contrato de exploração do espaço náutico daquela área do Parque público do Flamengo já não terem, a rigor, mais o direito ao contrato! Só que a decisão de 2ª instância da Justiça Federal que determinou a devolução do contrato à Prefeitura por desvirtuamento na exploração do local, e que está para ser cumprida há três anos, simplesmente, por algum motivo superior a qualquer entendimento, não é executada. E as enormes festas, que exemplificam o desvirtuamento do contrato, continuam.
Explico, mais uma vez o caso judicial.
Há 20 anos, em 1999, um grupo de cinco cidadãos propôs ação popular junto à Justiça Federal contra o contrato de exploração desta área do Parque do Flamengo pelo fato do contratante desvirtuar a natureza eminentemente náutica do local - uma marina pública - para dar-lhe uma destinação muito mais comercial. As festas incessantes, os shows, as exposições de toda natureza, os restaurantes e lojas comerciais, tudo isto fora do escopo primordial de um parque público tombado, fez com que os juízes federais decidissem pela nulidade do contrato.
Depois de 14 anos de tramitação da ação popular, em maio de 2013, houve a sentença de 1ª instância decretando a nulidade do contrato por desvio de finalidade. Assim concluiu a sentença:
"Na mesma ordem de idéias, a concessionária da Marina, no exercício do direito de uso do bem questão, inclusive para exploração comercial, deve ater-se à finalidade previamente determinada ao bem cedido e não pode se afastar do interesse público, sob pena de desvio de finalidade e a anulação de qualquer ato que lhe contrarie. Não se defende aqui uma postura intransigente em relação às atividades e serviços desenvolvidos na Marina da Glória, mas sim que os mesmos guardem pertinência com a destinação original do local (náutica) e que não rivalizem com o interesse público e com a preservação do valor paisagístico e cultural do bem. O desvirtuamento da destinação natural da Marina foi demonstrado pelos autores populares, conforme documentos de fls. 106/111 e 14/115, que apontam a realização no local de feiras de moda, exposição e venda de veículos automotivos, ventos de música e dança, exposições sobre estágios e carreiras, campeonato de carros com som de maior potência, bem como a instalação de escritório de empresa de serviços de praticagem de navios e utilização do local para fundeio de embarcações da referida empresa."
Mas, apesar dos 14 anos de espera pela 1ª decisão, o seu cumprimento haveria de se esperar, já que os particulares que exploram o local público recorreram da sentença. Após três anos da sentença de 1ª grau, veio a decisão do Tribunal Federal que, em acordão publicado em fevereiro de 2016, confirmou a decisão, dizendo:
"13. Merece prosperar também o alegado desvio de finalidade sustentado pelos Autores Populares, o que gera a nulidade do ato lesivo ao patrimônio público, no caso, o Contrato de Concessão de Uso em voga, pois a concessionária da Marina, no exercício do direito de uso da área, distanciou-se da disposição inicialmente prevista ao bem cedido cuja destinação originária estava diretamente relacionada à vocação náutica, inobservando o interesse público intrínseco do local. 14. Os relatos da petição inicial são de conhecimento público e notório, sendo evidente a priorização de prática de atividades comerciais, tal como feiras de moda, exposição e venda de veículos automotivos, eventos de música e dança etc. em detrimento da atividade náutica. O espaço público, com finalidade de atender ao bem-estar social da população de um modo geral, está sendo gerido como se propriedade privada fosse, situação que não se pode admitir, eis que desvirtua a ideia de Marina pública, com livre circulação."
Bastava isso para se cumprir a decisão que os autores populares pediam à Justiça há 17 anos? Não, claro que não...
Isto porque quando os autores pedem ao Juiz de 1ª instância o cumprimento provisório da decisão do Tribunal, surpreendentemente o Juiz de 1º grau negou o cumprimento provisório da decisão do Tribunal! Isto obrigou os autores populares a, novamente, irem ao Tribunal para que este determinasse ao Juízo de 1º grau o cumprimento de sua decisão de 2ª instância. E, em 2018, depois de dois anos do acordão do Tribunal, outra vez este mesmo Tribunal, determinou que o Juízo de 1º grau cumprisse a decisão!
O processo que começou em 1999, há 20 anos, e já tem duas decisões judiciais do Tribunal Federal para seu cumprimento, ainda se encontra sem cumprir, no 1º grau!
É kafkaniano! E não deixa de ser vergonhoso para a Justiça que não só um processo de ação popular demore 20 anos para ter decisões judiciais de 2ª instância e, pior, para que estas ainda assim, não sejam cumpridas!
Enquanto isso, os cidadãos da Urca, da Glória e adjacências não dormem em função de festas que a Justiça já determinou, há pelo menos três anos, parar. E apelam para a Polícia ...
Mas, nem isso resolveu. Acho, que agora, só apelando para os céus... Será?