terça-feira, 26 de abril de 2011

PARQUE DO FLAMENGO: O MISTERIOSO PROJETO DA MARINA DA GLÓRIA


Audiência pública é a forma de dar legitimidade à qualquer proposta de modificação ou privatização de uso de parte do Parque.

Apesar de estarmos na época em que o discurso da transparência é uma constante, tem-se a notícia que há em exame no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) um novo e secreto projeto para uso privado, da área da Marina da Glória, desta vez bancado pelo mega milionário Eike Batista.

Este novo projeto, que certamente visa consolidar na área, sob a forma de cimento e cal, mega espaços de espetáculos e eventos privados, tem como motivo e interesse especial a extensão da área de entretenimento e lazer do Hotel Glória, que fica em frente, e que também foi comprado pelo empresário (cuja obra, depois de iniciada, e destruído o teatro, encontra-se paralisada).

E este propósito não tem nada de misterioso, porque já foi explicitado pelo próprio empresário. O mistério é o projeto e o seu conteúdo.

Não se sabe o que é proposto. Nem como, e nem porquê. Não se sabe se já teve o aval da Prefeitura e dos demais órgãos ambientais. Só se sabe que tramitou na Superintendência Estadual do Iphan no Rio, e que foi encaminhado ao seu Conselho Consultivo. Atualmente está com os membros da Câmara Técnica de Arquitetura daquele Conselho.

E por que isto? Porque foi o Iphan quem determinou, nos idos de 1998, que no Parque do Flamengo só poderia ser construído o que estava previsto no projeto original tombado.

Esta decisão foi contestada pelo administrador da Marina da Glória na Justiça. Mas, depois de uma luta judicial de 14 anos, com um imenso esforço e apoio da sociedade civil carioca, esta diretriz do Conselho foi tida como legítima pela Justiça Federal, e mantida. Ela está em vigor.

Portanto, o grande empecilho para mudar a destinação da Marina da Glória, tornando-a um local de eventos privados, é mudar o parecer do Conselho do Iphan em relação à área, e, consequentemente, ao Parque. Ou seja, abrir a guarda em relação a uma forma de edificação que, aparentemente, seja admissível, porque em tese poderia não ser muito visível. Mas é privatizaçâo de um bem projetado para ser um parque botânico, indivisível, e de uso comum do povo na sua totalidade.

O que é incrível é que tudo isto, em pleno século XXI, se passa sem qualquer audiência pública, sem ouvir a comunidade que se empenhou e lutou para manter a decisão do Conselho – da não edificabilidade do Parque!

É imprescindível, pois, antes de qualquer decisão, que se ouça a sociedade carioca sobre um assunto que lhe é tão caro. Especialmente agora que se propôs à Unesco a indicação da paisagem cultural do Rio como patrimônio da humanidade. Como ser patrimônio da humanidade sem ser antes patrimônio dos cariocas?

Por isso, a única decisão legítima a ser tomada, no momento, por parte dos órgãos públicos sobre uma área tão cara e popular, será a de discutir o proposta em audiência pública! E esta, a audiência pública, poderá ser feita na Câmara de Vereadores do Rio, onde já se instalou uma Comissão Especial sobre o Patrimônio Cultural da Cidade.

Afinal, como disse o saudoso Aloísio Magalhães, o grande reformador do Iphan, “a comunidade é a melhor guardiã do seu patrimônio”.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Parque do Flamengo, valioso até no papel

Caminhão com autos judiciais é roubado e ninguém sabe de nada.

Veja o caso do desaparecimento dos autos judiciais do Caso Parque do Flamengo/Marina da Glória, a caminho de Brasília!

Em 2006, o Juiz F. C. de Oliveira, da 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro, proferiu sentença que dizia, resumidamente, que era legal e legítimo o entendimento do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no sentido de que o Parque do Flamengo, como área pública tombada, não era edificável, senão para a execução do seu projeto original. Esta sentença foi confirmada e reconfirmada pelo Tribunal Regional Federal, juízo de 2ª instância no Rio de Janeiro.

Sentenças emblemáticas que impedem projetos que visam a posse útil de uma parte Parque para uso privado – a conhecida e encantadora Marina da Glória.

Tudo começou com um inocente contrato de administração dos serviços da Marina por uma empresa privada, a Empresa Brasileira de Terraplanagem (EBTE) - contrato este feito pelo Município do Rio, para substituir a administração da Riotur no local que, aparentemente, estava desastrosa.

Tal empresa tentava executar projetos de ampliação das construções na área, com a finalidade original de ser uma marina pública. Contudo, eram construções que não estavam previstas no projeto original do Parque, e que visavam outros usos comerciais, e de eventos, completamente fora do projeto original do Parque-Jardim. E esta foi a razão do veto do IPHAN ao projeto.

A empresa, no início da década de 90, entra com ação na Justiça tentando afastar este entendimento do IPHAN, mas não consegue. Já no novo milênio o apoio ao IPHAN torna-se um movimento da sociedade civil carioca, com enorme repercussão nacional, e até acadêmica, dado ao sucesso da resistência popular contra a privatização do Parque-Jardim.

De lá para cá, se arrasta uma batalha judicial que conta com a morosidade e a peregrinação pelos tramites legais. O mais recente episódio retrata a quantas anda a questão, que parece longe do fim definitivo.

Na tentativa de prolongar mais o litígio judicial, a referida empresa, a EBTE, hoje comprada pelo mega milionário brasileiro Eike Batista, interpôs Recurso Especial ao Superior Tribunal da Justiça em 26.08.2010, tendo sido remetido ao referido órgão somente em 16.09.2010.

Após cinco meses de espera, os autos nunca conseguiram chegar ao seu destino final. Pasmem, por ironia do destino (...), o caminhão do Correios que fazia o transporte de diversos autos judiciais com recursos especiais admitidos para aquele Tribunal Superior foi roubado.

Em contato com a Gerência de Segurança Operacional dos Correios, a única resposta obtida foi a de que entrariam em contato para maiores detalhes...

Certamente o ladrão não poderia imaginar que o bem roubado tem um valor inestimável! O mais estranho é que a notícia não foi divulgada nos grandes jornais, sendo somente publicada no “Diário Eletrônico da Justiça Federal”, 16.02.2011 (íntegra ofício), que informava às partes integrantes do processo sobre o ocorrido e que, portanto, teriam o prazo de 60 dias para promover a “Restauração dos Autos”, ou seja, reunir todas as cópias do processo ”extraviado” para que o mesmo seja “montado” novamente.

Com isso, o processo que já perdurava mais de uma década corre o risco de durar ainda mais! (Veja todo o histórico – Parte 1 / Parte 2 / Parte 3).

O novo processo de restauração segue em tramitação no Tribunal regional Federal com capa nova, número novo (2011.02.01.003115-1), mas a discussão continua antiga!

Façamos um apelo ao caro amigo ladrão que devolva o Processo do Parque do Flamengo, pois pertence ao coletivo! E continua sendo valioso até no papel!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Parque ameaçado


Corre a notícia, muito pouco divulgada e confirmada, que no próximo dia 21 de abril, no feriado de Tiradentes, haverá nos jardins do Parque do Flamengo, tombado pelo IPHAN, um novo megaevento religioso, promovido por algumas entidades religiosas.

No último evento deste calibre estimou-se a presença de mais de 1 milhão de pessoas, conduzidas àquele entroncamento urbano por cerca de dois mil e quinhentos ônibus. Parou a cidade, com um engarrafamento brutal que atingiu desde o Centro da cidade até o final da Zona Sul (link). Desta vez, o evento seria realizado no primeiro dia do início de um feriadão.

Pesquisando na internet, encontramos em alguns blogs e portais ligados ao evento pouquíssimas linhas informando o local, a saída de caravanas e o horário do megaculto, sem muitos detalhes.

Já no site da Prefeitura do Rio, não há qualquer notícia sobre o assunto, o que nos faz indagar sobre os direitos dos cidadãos e da cidade à informação, bem como sobre o direito de todos à circulação e à mobilidade urbana, e à segurança e ao usufruto dos espaços públicos.

Em entrevista hoje, dia 18 de abril, à rádio CBN do Rio, a presidente da Associação de Condomínios do Morro da Viúva (Amov), Maria Thereza Leitão, disse que apesar do pedido dos 10 mil moradores associados para que "seja repensada qualquer autorização para eventos na Enseada de Botafogo e Aterro do Flamengo, até o momento não foi possível evitar-se que tais fatos ocorram. (Ouça a entrevista aqui)

Segundo a própria associação, "o Comandante do 2º BPM e o Administrador Regional do Flamengo afirmaram que nada poderiam fazer, pois `a ordem vinha de cima´".

A questão se coloca especialmente delicada quando se trata de programação de eventos religiosos, sobretudo de religiosos crentes, quando qualquer oposição pode ser avaliada como preconceito religioso. Não é esta a questão, mesmo porque, no caso de fechamento de Copacabana para o megaevento de Roberto Carlos, os cidadãos se mostraram igualmente indignados, já que indefesos nos seus direitos à cidade.

É óbvio que o direito à cidade começa no acesso a ela, na mobilidade e circulação, e no usufruto razoável e compartilhado do espaço público. Este é um direito tão óbvio e geral que não há lei específica que diga isto.

Seria o mesmo que dizer que a cidade é de todos, e que seu uso pressupõe uma utilização compartilhada e razoável dos espaços públicos. É o que o Direito Francês chamaria do interesse geral, a ser resguardado pelo poder de polícia da administração pública, no caso da Administração Pública Municipal.

Mas não sabemos se o evento, com nome ou não de manifestação, foi autorizado ou notificado pela Prefeitura. Por enquanto, os cidadãos cariocas dormem tranquilos supondo que acordarão, no dia 21, com viabilidade de suas programações de lazer. Para obstaculizar este direito geral legítimo seria, no mínimo, necessário que houvesse, antes, avisos públicos antecipatórios, consulta e participação da população dos bairros atingidos.

Seria também necessário um plano de segurança, e de alternativa de transporte; além de garantias de conservação contra danos ao Parque botânico do Flamengo, tombado como Patrimônio Nacional. Isto para garantir os direitos gerais mais básicos dos cidadãos (...).

Como é difícil para a política (!) obstar pedidos de megaeventos religiosos, cujos praticantes são eleitores bem conduzidos; nada disto é feito. Conta-se com o efeito surpresa, que depois com o esquecimento por parte dos atingidos.

Desta vez, uma corajosa Associação de Moradores do Rio pediu, preventivamente, providências que evitem esse dano aos direitos gerais dos cidadãos da cidade.

O pedido está na mesa de um Juiz de Direito. Há esperança no horizonte carioca, já que, neste caso, não haverá pressão política e nem omissão.