Desleixo é parte de uma cidade com ruas e calçadas esburacadas e canteiros malconservados
Jornal O Globo - 18 de junho de 2019
O Parque do Flamengo é uma joia do Rio, mas a prefeitura o trata como um jardim qualquer. Ou talvez nem isso, porque mesmo os mais simples costumam demandar um mínimo de cuidado. E não parece ser este o caso do Aterro. Como mostrou reportagem do GLOBO publicada no domingo, especialistas do escritório Burle Marx que percorreram a área com uma equipe do jornal ficaram estarrecidos com o que viram.
O projeto paisagístico foi descaracterizado, e o abandono está por todo lado. Lagos estão secos; árvores importantes sumiram e não foram repostas; o trecho do gramado que reproduz o desenho do calçadão de Copacabana (Jardim das Ondas) desapareceu; o Coreto Estrela, marca do estilo modernista do arquiteto Affonso Eduardo Reidy, virou abrigo para moradores de rua; o Museu Carmen Miranda está fechado, e por aí vai. Lamentável que a prefeitura trate com tão pouco caso uma obra única na cidade e no país.
O Parque do Flamengo é fruto da obsessão de Lota Macedo Soares, que conseguiu evitar que uma faixa de aterro com mais de um milhão de metros quadrados sobre a Baía de Guanabara servisse apenas como pistas de alta velocidade, como previa o projeto do estado. Lota legou ao Rio um de seus mais belos cenários, importante, inclusive, para que a capital recebesse da Unesco, em 2016, o título de Patrimônio Mundial pela paisagem cultural urbana.
A ideia de Lota era transformar aquele monte de terra e pedras numa espécie de Central Park carioca. Reuniu expoentes como o paisagista Roberto Burle Marx, o arquiteto Affonso Eduardo Reidy e o botânico Luiz Emygdio de Mello Filho e pôs mãos à obra. Com vegetação exuberante, formada por mais de 11 mil árvores vindas de várias partes do mundo, e seus postes de 45 metros de altura, feitos sob medida para reproduzir o tom do luar, os jardins foram inaugurados em 1965 e logo se tornaram um ícone da cidade.
Enquanto a prefeitura do Rio relega o parque ao abandono, a obra de Burle Marx é tema da maior exposição da história do Jardim Botânico de Nova York. A instituição criou um ambiente que reúne plantas tropicais, lagos e as famosas calçadas projetadas pelo mestre. Ao mesmo tempo, o Sítio Burle Marx, em Guaratiba, onde viveu, é candidato a Patrimônio Mundial pela Unesco.
Infelizmente, o desleixo com que é tratado o Parque do Flamengo —cujos jardins são tombados pelo Iphan —, não está fora de contexto. É parte da cidade de ruas e calçadas esburacadas, canteiros malconservados, estátuas e monumentos mutilados, logradouros escuros, bueiros entupidos, túneis despencando. Imagine-se o que diriam Burle Marx e Lota sobre o Rio de hoje.
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