sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Os 90 dias que abalaram o mundo olímpico: Eike Batista e a caixa-preta que falta ser aberta

Por Lúcio de Castro



A
história olímpica nunca mais poderá ser contada sem um grande capítulo destinado ao Rio-2016. Não pela bela festa de abertura ou pelos feitos de Usain Bolt. Mas sim pela porta dos fundos. Coberta de uma mancha de corrupção. Um enredo ainda em andamento. Ao certo, já é possível saber que a parte de maior ação desta obra está concentrada em 90 dias. Os 90 dias que abalaram o mundo das Olimpíadas. Os 90 dias em 2009 que precederam a escolha da sede de 2016. Neles, o leitor do futuro irá encontrar o ataque final aos votos do bloco africano, compra de eleitores, doações emergenciais e milionárias de dinheiro às vésperas do pleito. E os passos dos personagens centrais. Papeis como os de Carlos Arthur Nuzman, Leonardo Gryner e Arthur Soares, decisivo ao financiar o suborno e receber de volta benesses, já estão bem conhecidos. O tempo irá mostrar se outros também foram partes desses atos. O tempo e as investigações. Nesses 90 dias aqui referidos, os fatos mostram um protagonista na trama: Eike Batista. Que na véspera da eleição do COI comprou a concessão de um dos palcos dos jogos. Foi também no período citado que o empresário abriu uma offshore panamenha encontrada pela reportagem.
Faltavam exatos 65 dias para que o Comitê Olímpico Internacional (COI) reunisse seu colégio eleitoral em Copenhague, Dinamarca, com o intuito de escolher a sede dos jogos de 2016, quando Eike Batista, então o homem mais rico do Brasil, exibiu orgulhoso ao lado de Sérgio Cabral, Carlos Arthur Nuzman e Eduardo Paes um cheque no valor de R$ 13 milhões doados para a campanha brasileira. Aumentando o cacife feito por ele mesmo em abril, quando doara outros R$ 10 milhões ao comitê de candidatura. Era o dia 27 de julho.
Até ali, a maior parte do financiamento da candidatura tinha sido com dinheiro público, em convênios do Ministério do Esporte e Comitê de Candidatura, como mostrou reportagem desta Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo em 15/9.
A pergunta que se impõe: que elementos já davam a um investidor sempre interessado em alto lucro alguma garantia de que em dois meses seu retorno seria uma aposta vencedora? É possível que, nesse levantamento de cenário, Eike tenha ouvido algum relato sobre a garantia de voto do bloco africano. E para que o Comitê precisava de R$ 13 milhões para mais 65 dias de campanha? Naqueles dias, o Comitê Rio-2016 traçou como estratégia um ataque final ao bloco africano votante. A saber:
Noventa dias antes do pleito de Copenhague e vinte e cinco dias antes do cheque de Eike, a candidatura brasileira ouviu o compromisso do presidente do Comitê Olímpico de Camarões (CNOSC), Hamad Kalkaba Malboum, de que, no dia 6 de julho, na Assembleia Geral da Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais da África (ANOCA)”, em Abuja, na Nigéria, o bloco africano fecharia o consenso pelo Brasil.
Teve mais. Em 23 de julho de 2009, quatro dias antes da doação de Eike, o diretor de comunicação e marketing do COB e Comitê Rio-2016, Leonardo Gryner, em viagem à Tunísia, encontrou-se com o ex-primeiro ministro e membro vitalício do COI, Mouhamed Mzali, que declarou-se inclinado a votar a favor do Rio mas acertou “retomar a questão em encontro com o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman” no mundial de atlestismo em agosto seguinte, em Berlim. Evento cujo anfitrião era Lamine Diack, o protagonista da venda dos votos e onde Nuzman, Cabral e Paes estiveram. O tunisiano já estivera citado em apurações de escândalos de compra de votos em pleitos olímpicos, como mostrou um dossiê publicado na imprensa europeia após a vitória da candidatura de Sidnei, 2000. Tais fatos estão demonstrados em reportagem da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo de 22 de agosto de 2016.
E 11 dias antes do cheque de Eike, no dia 16 de julho de 2009, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) envia comunicado para algumas embaixadas brasileiras no continente africano dando conta que “no contexto da campanha de divulgação da candidatura do Rio de Janeiro, o Comitê Olímpico Brasileiro planeja realizar missão junto a alguns comitês olímpicos africanos nos meses de julho e agosto corrente”.
O bloco africano, como se sabe, é detentor de 16 votos do colério eleitoral do COI. Que se mostraram fundamentais e decisivos para definir quem iria para o segundo round. E eliminar a mais forte candidatura: Chicago.
Se a garantia de voto do bloco africano pode ter soado como música aos ouvidos de um voraz investidor como Eike, cuja história de doações e benemerências está intimamente ligada a benefícios futuros ou até mesmo imediatos, não foram apenas as notícias que chegavam do além-mar que dobraram o milionário a assinar o cheque.
Rigorosamente paralela a trama da doação pré-votação do COI, corre outra ação que parece estar sempre a se apressar e se antecipar ao fatídico dia 2 de outubro: a história da concessão da Marina da Glória.

Exatos três dias separam o anúncio de Eike assumindo a concessão da Marina da Glória e a eleição do COI.
É numa terça, dia 29 de setembro de 2009, que Eike Bastista anuncia a compra da concessão da Marina da Glória, através de empresa do grupo, a MGX Empreendimentos Imobiliários e Serviços Náuticos. E na sexta-feira, 2 de outubro, o Rio vence o pleito de Copenhague. Com a Marina da Glória sendo palco de competição dos jogos. Eduardo Paes acompanhou a eleição in loco. A ida para a Dinamarca se deu em jatinho emprestado por Eike Batista, ao lado de Sérgio Cabral.
A venda da concessão da Marina só foi possível com a benesse e a benção de um despacho do então prefeito Eduardo Paes, já que a lei impedia “cessão ou transferência” do contrato da prefeitura.

No entanto, embora anunciada em 29 de setembro de 2009, às vésperas do anúncio da eleição do COI, a compra da concessão de Eike Batista junto ao antigo concessionário tem uma curiosidade: a EBTE Engenharia, que detinha a cessão desde 1996, é quem recebe a renovação por parte da prefeitura, como está no Diário Oficial do Município no ano seguinte, em 8 de setembro de 2010.

Após a anunciada venda de concessão para a MGX, Fabiano Crespo, sócio da EBTE, passa a responder como diretor da MGX.
De acordo com o divulgado por Eike Batista, a MGX tinha como controladora a REX Empreendimentos Imobiliários, aberta em julho de 2007 em sociedade de Eike Batista com o filho Thor.
A Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo encontrou registro de abertura, no dia 30 de outubro de 2009, de uma empresa chamada REX Inversiones, no nome de Eike Batista, no equivalente a junta comercial do Panamá. Com capital social de U$ 3 milhões e tendo como diretores Flavio Godinho e Paulo Carvalho de Gouvea. Ter uma offshore não é ilegal pela legislação brasileira, desde que declarada à Receita Federal, assim como seus bens e valores tributados. A Receita não responde a confirmações sobre uma empresa estar ou não declarada. A reportagem enviou questionamento para Eike Batista, sem resposta. 

A “Operação Eficiência”, desdobramento da Lava Jato, que prendeu Eike preventivamente em janeiro deste ano, já mostrara que o empresário pagou propina ao ex-governador Sérgio Cabral, no valor de U$ 16,5 milhões através de outra offshore situada no mesmo paraíso fiscal. Que também é sede de duas offshores, a Conval Corporation e Vittenau Corporation, criadas em 12 de junho e 19 de junho de 2008, mesmo ano em que Paes se elegeu pela primeira vez prefeito do Rio. E estão em nome de Valmar Souza Paes, pai do prefeito, Consuelo da Costa Paes, a mãe, e Letícia da Costa Paes, irmã.
A BR Marinas, através da presidenta do grupo, Gabriela Lobato, foi doadora para a campanha de Pedro Paulo, candidato de Eduardo Paes à prefeitura em 2016 com R$ 50 mil reais. Questionada em entrevista ao Estado de São Paulo em 26/9/2016, a empresária afirmou que “fiz a referida doação espontaneamente, por entender que a candidatura de Pedro Paulo representa a continuidade de uma gestão em que acredito”, disse.
Em maio de 2013, o juiz Vigdor Teitel, da 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro, determinou o cancelamento do contrato de concessão entre a Prefeitura e a EBTE. Pela decisão, a compra da EBTE pela REX, controladora da MGX, e a consequente gestão da Marina da Glória ficaram anuladas.
Mesmo assim, três meses depois, em setembro de 2013, foi anunciada nova venda de concessão, desta vez com a REX/MGX passando a BR Marinas, em negócio aprovado pelo CADE (Conselho de Desenvolvimento Econômico).
A Marina da Glória teve três contratos com o Comitê Rio-2016. Um deles, o 260/2014, de julho de 2014, para “Permissão de Uso da Marina da Glória” para evento-teste da vela, ainda é no nome da MGX.
Os dois outros constam como BR Marinas, do Axxon Group. O 621/2015, para novo evento-teste, e o 1204/2016, para “prestação dos serviços de manutenção predial e operação das instalações já existentes na Marina da Glória, local da realização das competições de Vela durante os Jogos”, de 8/7/2016.
Em função da promessa descumprida de despoluição da Baía de Guanabara, houve um clamor mundial para que as provas de vela não fossem realizadas ali. Com o que a Marina da Glória deixaria de ser palco e locação dos jogos. No entanto, o Comitê Rio-2016 manteve o local. O ex-prefeito Eduardo Paes foi o principal defensor da permanência.
Solto em abril por habeas corpus do ministro do STF Gilmar Mendes depois de quatro meses preso preventivamente, Eike prepara colaboração premiada, embora não confirme (ver “outro lado” abaixo). Os anexos da delação estariam para aprovação final da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge. A reportagem perguntou a Eike Batista, diretamente por e-mail e também em contato enviado ao advogado do empresário, se sua participação e contribuições ao Comitê Rio-2016 fazem parte da colaboração premiada. O empresário e o advogado não responderam.
CRONOLOGIA:
16 de julho de 2009 : Nuzman e Leonardo Gryner comunicam as embaixadas brasileiras estratégia de ataque final aos comitês africanos votantes.
27 de julho de 2009: Faltando dois meses para a eleição do COI, Eike Batista doa R$13 milhões para a candidatura do Rio.
29 de setembro de 2009: Três dias antes da eleição do COI, Eike Batista compra a concessão da Marina da Glória, local das provas de vela.
2 de outubro de 2009: Rio de Janeiro ganha eleição para sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
30 de outubro de 2009: Eike abra REX (nome similar ao da controladora da MGX) no Panamá.
2014 a 2016: MGX assina 3 contratos com Comitê Rio-2016 pelo uso da Marina da Glória.


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