Por Lúcio de Castro
A
história olímpica nunca mais poderá ser contada sem um grande capítulo destinado ao Rio-2016. Não pela bela festa de abertura ou pelos feitos de Usain Bolt. Mas sim pela porta dos fundos. Coberta de uma mancha de corrupção. Um enredo ainda em andamento. Ao certo, já é possível saber que a parte de maior ação desta obra está concentrada em 90 dias. Os 90 dias que abalaram o mundo das Olimpíadas. Os 90 dias em 2009 que precederam a escolha da sede de 2016. Neles, o leitor do futuro irá encontrar o ataque final aos votos do bloco africano, compra de eleitores, doações emergenciais e milionárias de dinheiro às vésperas do pleito. E os passos dos personagens centrais. Papeis como os de Carlos Arthur Nuzman, Leonardo Gryner e Arthur Soares, decisivo ao financiar o suborno e receber de volta benesses, já estão bem conhecidos. O tempo irá mostrar se outros também foram partes desses atos. O tempo e as investigações. Nesses 90 dias aqui referidos, os fatos mostram um protagonista na trama: Eike Batista. Que na véspera da eleição do COI comprou a concessão de um dos palcos dos jogos. Foi também no período citado que o empresário abriu uma offshore panamenha encontrada pela reportagem.
Faltavam exatos 65 dias para que o Comitê Olímpico Internacional (COI) reunisse seu colégio eleitoral em Copenhague, Dinamarca, com o intuito de escolher a sede dos jogos de 2016, quando Eike Batista, então o homem mais rico do Brasil, exibiu orgulhoso ao lado de Sérgio Cabral, Carlos Arthur Nuzman e Eduardo Paes um cheque no valor de R$ 13 milhões doados para a campanha brasileira. Aumentando o cacife feito por ele mesmo em abril, quando doara outros R$ 10 milhões ao comitê de candidatura. Era o dia 27 de julho.
Até ali, a maior parte do financiamento da candidatura tinha sido com dinheiro público, em convênios do Ministério do Esporte e Comitê de Candidatura, como mostrou reportagem desta Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo em 15/9.
A pergunta que se impõe: que elementos já davam a um investidor sempre interessado em alto lucro alguma garantia de que em dois meses seu retorno seria uma aposta vencedora? É possível que, nesse levantamento de cenário, Eike tenha ouvido algum relato sobre a garantia de voto do bloco africano. E para que o Comitê precisava de R$ 13 milhões para mais 65 dias de campanha? Naqueles dias, o Comitê Rio-2016 traçou como estratégia um ataque final ao bloco africano votante. A saber:
Noventa dias antes do pleito de Copenhague e vinte e cinco dias antes do cheque de Eike, a candidatura brasileira ouviu o compromisso do presidente do Comitê Olímpico de Camarões (CNOSC), Hamad Kalkaba Malboum, de que, no dia 6 de julho, na Assembleia Geral da Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais da África (ANOCA)”, em Abuja, na Nigéria, o bloco africano fecharia o consenso pelo Brasil.
Teve mais. Em 23 de julho de 2009, quatro dias antes da doação de Eike, o diretor de comunicação e marketing do COB e Comitê Rio-2016, Leonardo Gryner, em viagem à Tunísia, encontrou-se com o ex-primeiro ministro e membro vitalício do COI, Mouhamed Mzali, que declarou-se inclinado a votar a favor do Rio mas acertou “retomar a questão em encontro com o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman” no mundial de atlestismo em agosto seguinte, em Berlim. Evento cujo anfitrião era Lamine Diack, o protagonista da venda dos votos e onde Nuzman, Cabral e Paes estiveram. O tunisiano já estivera citado em apurações de escândalos de compra de votos em pleitos olímpicos, como mostrou um dossiê publicado na imprensa europeia após a vitória da candidatura de Sidnei, 2000. Tais fatos estão demonstrados em reportagem da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo de 22 de agosto de 2016.